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Deriva e variedade de culturas

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Primeira metade da década de setenta e viajávamos para o norte do RS via Cruz Alta. A rodovia era margeada por plantações de soja que avançavam na sua faixa de domínio. Oferecemos carona a agricultor que aguardava o ônibus. Comentou que adiante veríamos a propriedade de um "homem mau", despertando curiosidade. De repetente uma ilha no mar de soja: média propriedade com bovinos no pasto. E nosso caroneiro, exaltado, apontou-nos: "imaginem ele não planta soja nem arrenda para alguém plantar!". O episódio nunca me saiu da lembrança como símbolo de um Rio Grande do Sul que quase se rendeu à monocultura, arrasou matas e a erva-mate nativa, substituiu a quebradeira de tradicionais latifundiários da pecuária pela ascensão de nova burguesia rural de agricultura mecanizada.

Felizmente, as décadas passaram e algo se reverteu. Plantou-se erva-mate para substituir as nativas derrubadas. Fortaleceram-se cultivos tradicionais e introduziram-se vários produtos novos. Polos diferentes solidificaram-se. Exercendo diferentes funções públicas, vi surgir a primeira grande vinícola dos pampas e o polo vitivinícola. O programa de fruticultura da Campanha e adjacências, defendido por visionários e hoje realidade. O plantio de oliveiras e sua industrialização. Assentamentos de reforma agrária tornarem-se grandes produtores de arroz orgânico. E assim por diante. Ainda agora, afastado de atividades, acompanho com interesse iniciativas como a da UFSM incentivando a floricultura.

É por isso tudo que me angustio com as notícias da "deriva" do herbicida 2,4 D. Eficiente e barato para o sojicultor tem, por descuidos na aplicação, atingido e prejudicado culturas vizinhas, em especial as uvas e demais frutas, em várias regiões.

Ninguém pode prejudicar os vizinhos com sua atividade econômica. Questões seculares, por exemplo, no uso dos cursos de água que atravessam diferentes propriedades. Ou de atividades que possam causar incômodos ou prejuízos a outrem. A deriva já seria condenável e punível pelo direito individual ou no de propriedade. Todavia, o que me assalta de

preocupação é o seu impacto sobre a necessária vocação do Rio Grande do Sul de diversidade de culturas primárias. Nossa fortaleza e o futuro não estão no retorno à hegemonia exagerada de um cultivo como o da soja. Esta já se expandiu por áreas maiores no território brasileiro com as quais não conseguimos competir. A vertente gaúcha do porvir e do sucesso cada vez mais está na pluralidade de produtos e no valor agregado de especializações e inovações que favoreçam a rentabilidade em áreas menores e garantam emprego e renda a mais gente. Nesse sentido, a deriva do 2,4 D é um atentado às possibilidades econômicas e sociais do RS e cabe aos seus usuários impedirem efeitos sobre adjacências ou serem severamente penalizados e responsabilizados pelos danos não somente aos vizinhos, mas ao futuro estratégico da economia gaúcha.

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